quinta-feira, agosto 24, 2006

Joaquim - Capítulo IV

Atenção: tal como se encontra identificado em título, esta história já vai no seu quarto capítulo e é uma história partilhada entre dois dos maiores escritores da linha que liga Sacavém a Algés. O capítulo anterior encontra-se mais abaixo.


Em menos de três tempos, o que se deduz portanto em dois, consegui escapar ileso apesar do peso do arsenal que carregava nos bolsos. Num dos últimos saltos entre telhados, o meu pé resvalou e soltou-se uma telha. Escancarou-se no chão, poderia ter desferido um golpe fatal em algum traseunte, daqueles que decide passear-se às tantas da madrugada com um cão, talvez. Nem por sombras, mal eu pensara no tal bicho e outro bicho, Joaquim, miara em sinal de desagrado.
Chegando a chão firme, as minhas pernas tremiam como varas verdes. Antigamente, andar por telhados davam-me a sensação de ser um qualquer super-heroi, sem capa; mas a idade não perdoa. As rótulas não são as mesmas, os joelhos já não se dão bem com os meniscos e a merda do colesterol anda a fazer amizade com o ácido úrico. Por outras palavras estou a ficar velho para tanto alpinismo urbano. Estou a sentir o peso dos anos, o peso das pernas, o peso da barriga, um peso na consciência e um peso nos ombros. Junte-se a tudo isto o peso do que trazia nos bolsos e vê-se logo que não ando bem.
Tenho que encontrar guarida mas não pode ser em casa desconhecida. Preciso de um tecto familiar, estou necessitado de carinho, de atenção de o calor de um aquecedor, de uma manta ou de uma colcha. Bolas, o que é que eu estou para aqui a dizer, estou a precisar dum rabo gelado de uma gaja.
A noite avançava enquanto a minha mente deambulava e procurava uma solução para o meu abrigo. “Pois, vai ter de ser. Não tenho alternativa, ainda por cima não estou muito longe”. Falei em voz alta. De vez em quando faz bem para não me esquecer de que existem cordas vocais, porque estou cansado de falar comigo mesmo, sempre para dentro. A minha mãe sempre me dizia que “quando falas para dentro só falas sozinho e ninguém te ouve”. Uma mulher inteligente embora abussasse das redundâncias, o que fazia dela uma mulher sempre certeira nos comentários, nunca se enganava naquilo que tinha para dizer porque dizia sempre o mesmo.
Quem procurava eu? Catarina, a única mulher que realmente amara e que sentia por mim algo que nunca compreendi. Não sei se era mesmo ódio. Amor não era porque tirando as sessões de sexo conveniente e que ambos os corpos pediam, não havia mais nada entre nós. A não ser uma ligação factual, algo que ela descrevia como “se calhar é o destino.” Nunca percebi essa coisa do destino. “O destino é algo que não controlamos mas que define todos os nossos passos”, dizia ela. “Quem define os meus passos sou eu, não essa coisa do destino. Estás a ver alguns cordéis pendurados nos meus braços. Olha bem, achas que sou alguma marioneta?”. Ela encolhia os ombros e sorria como se eu não entendesse o que ela dizia. O que era verdade. Mas talvez tivesse chegado a hora do destino bater-lhe à porta.
Enquanto caminhava pensava na melhor forma da surpreender. Como se bater à porta de alguém às 3:30 da madrugada, não fosse surpresa suficiente. Mas depois de quatro ou cinco anos sem dar notícias, tinha de preparar algo mais elaborado.
Catarina lutara toda a noite contra uma terrível insónia. E que lhe ganhara aos pontos. A luta tinha sido tão desigual que Catarina só encontrou uma forma de descansar. Entra na casa de banho e limita-se a preparar um banho de imersão, convencida de que a noite poderia aparecer-lhe mais cedo nos lençóis. Despe-se e vemos as linhas do seu corpo, algo que deixaria uma jovem de vinte e poucos anos mergulhada em inveja e vergonha. Quarenta e quatro anos não deixaram marcas na silhueta de Catarina; é incrível como se consegue ter um corpo tão escultural sem correr em tapetes nem recorrer a cremes.
Catarina olha para o seu corpo. De uma maneira diferente, claro. Ela percorre todos poros da pele com grande detalhe à procura de defeitos, de um pêlo encravdo, de um sinal problemático, de algo com que se possa afligir porque ser mulher é assim. Não encontra nada de errado e decide mesmo assim marcar uma consulta no oftalmologista porque o problema pode estar na visão. Antes de mergulhar, coloca o mais genial e apurado termómetro criado pela Humanidade, a mão. E quando se prepara para levantar a perna e arrastar o resto do corpo para dentro da banheira, ouve-se a campainha tocar. A estas horas?, ouvimos o seu pensamento. Por amor de Deus, são quase 4 da manhã, devem ser alguns gaiatos a brincarem com as campainhas tal como eu fizera na idade deles. Mas o som da campainha ouviu-se mais uma vez e com maior intensidade. Catarina veste um roupão e decide abrir a porta. Do outro lado estou eu, a suar em bica pela corrida que fiz ao subir oito lanços de escadas.
-Quando é que mudas para uma casa com elevador? – perguntava-lhe eu, respirando golfadas de ar inspiradas com grande violência.
-Alfredo? – fechou melhor o roupão apertando-o com um nó – Alfredo?
-Não gastes tanto o meu nome. Não me vais convidar para entrar?
-Ehhh.....desculpa, entra, entra. – Fecha-se a porta atrás de mim – Mas o que é que fazes acordado a estas horas? E o que fazes aqui? Espera, não me digas que estás metido outra vez em problemas?
-Não, nada disso. – E quando me ponho mais à vontade, tiro o Joaquim do bolso do casaco – desculpa, mas ele pode andar pelo chão? Prometo que não estraga nada.
-Alfredo, sabes o que sinto com gatos pretos.
-Ah, é verdade, tinha-me esquecido como és surpesticiosa, acreditas que tudo te dá azar....
-Não, não digas essa palavra. – E de imediato lançou-se até a uma estante de livros, em madeira onde bateu três vezes, com uma cadência e ritmo que demostravam bastante praticidade – Diz antes falta de sorte!
-Não te preocupes. Podes estar descansada. Estava de passagem aqui na zona.
-Às quatro da manhã?
-Sim, para te ver nunca há horas certas. Como antigamente.
-Isso já foi há muito tempo. Tiveste preso entretanto?
-Preso, não que disparate, porque é que dizes isso?
-Porque não soube nada de ti durante 4 anos.
-Ah, pois.... não,....estive no Luxemburgo, a trabalhar.
-A sério? E onde?
-Onde? – Bolas, estou a sentir-me entalado – Numa cidade grande do Luxemburgo.
-Na cidade do Luxemburgo?
-Sim, essa.
-E que lingua falam no Luxemburgo?
-Bom, então falam numa lingua estrangeira.
-Mas não sabes?
-Então, se eu não sei falar nenhuma língua como queres que saiba que língua eles falam lá? Bolas, mas agora és minha mulher? Estive por lá, depois fui para França e cheguei a semana passada.
-E estás a viver onde?
-Ainda não tenho nada. Já estive a ver aí umas casas mas o Joaquim não gostou de nenhuma delas.
-Ah. Queres alguma coisa para comer? Posso-te fazer qualquer coisa. Mas tenho aqui camarões tigre que posso grelhar.
-Tsss, até comia alguma coisinha mas sabes o que me apetecia antes disso?- E aproximei-me dela lentamente, as minhas mãos tentaram acercar-se da sua cintura. Ela deu dois passos para trás e perguntou timidamente:
-O quê?
-Um banho- respondia eu.
-Olha, nem de propósito. Estava agora mesmo para ir tomar um. E estava a pensar que podías juntar-te a mim e depois quem sabe, fazíamos amor até de madrugada. Penetravas-me durante horas e encavas o teu grosso falo dentro de mim para que eu pudesse explodir de prazer e depois satisfazer-te como nunca ninguém fez.
Pronto, está tudo estragado. Fui interrompido por uma unhada afiada de Joaquim. Continuava dentro do meu bolso, de onde nunca tinha saído e demonstrava assim o seu desconforto aos sobressaltos dos meus passos rápidos. “Tu só pensas em merda, Alfredo”, acalma-te aí. O caralho leva-te para terrenos pantanosos. Perdes-te no meio da imaginação e estás agora perdido no meio das ruas. Precisas de te acalmar. Descansa.
Finalmente os teus olhos descobrem o prédio. Numa zona pacata, iluminada deficientemente e aparentemente sou o único ser vivo de duas patas que vejo. Olhei para a janela dela e vejo uma luz acesa. A estas horas?, pensei eu. Olhei em redor e percebi que tinha hipóteses de fazer fazer uma entrada espectacular evitando a porta da frente. Joaquim rosnou baixinho, já me lê os pensamentos este cabrão. Sabe perfeitamente que vamos fazer uma entrada à mitra, não pela porta da frente mas pela janela da frente.
Subi para um tejadilho de um carro, pulei para cima de uma carrinha de transportes que estava milagrosamente estacionada junto a uma árvore. Segurei-me a um tronco e a hérnia discal queixou-se mal comecei com o número do macaquinho. Com algum esforço consegui chegar a uma varanda. O apartamento de Catarina ficava a apenas dois pisos acima. Apoiando-me nos varandis, subi até a um dos benditos aparelhos de ar condicionado fixado no exterior de uma janela conseguindo facilmente chegar à varanda do andar de cima. Mas agora a tarefa apresentava-se mais dificil. Após um rápido mas cuidado estudo vi, não uma janela de oprtunidade, mas sim uma possibilidade. Voltei-me a apoiar nos varadins, e à falta de electrodomésticos, percebi que o resto do percurso teria de ser feito à moda antiga, trepando pelo tubo de esgoto dos algerozes. Mas não demorou muito tempo para descobrir que o tubo não aguentaria tanta alavancagem. Só havia uma hipótese, a última, a derradeira, aquela que salva barcos do afundamento e aviões de quedas. Para largar lastro tirei Joaquim do bolso: “Não te preocupes que tens 9 vidas, tens até de sobra. Se caires, aterra sempre de pé”. Ele ainda miou, não até ao fim porque a essa hora, ainda o miar estava a meio e Joaquim voava. Confiei na minha capacidade de pontaria, cheguei-me para trás o máximo que conseguia e lancei o gato até à varanda de cima.
Esta foi o primeiro grande teste para ele. Manteve intocável o registo das 9 vidas ao conseguir aterrar suavemente no alvo pretendido. Ouvi um miar ligeiro, sinal de que estava vivo e que a costa estava desimpedida.
Tirei o casaco, voltei a conferir que a arma e a droga mantinham-se nos bolsos e utilizei a mesma técnica para lançar o casaco. Continuei a despir-me até ficar só em cuecas. Atei as peças de roupa umas ás outras fazendo um enorme bola, fácil de ser atirada e com peso suficiente para que respondesse eficazmente à trajectória desejada e a uma força determinada.
-Psttt. Joaquim, tudo em ordem?
Ouvi novamente o gato miar. Era sinal de que a encomenda tinha chegado ao destino e lancei-me de novo ao tubo dos esgotos dos algerozes. Sem peso nenhum no corpo a não ser da gordura acumulada, consegui subir até à varanda. Já sabemos que as luzes estão acessas. Como vim a descobrir mais tarde é apenas a luz de um candeeiro de parede que parece ter ficado ligada propositadamente durante a noite. Ninguém está na sala mas julgo ouvir vozes bem ao fundo. Porventura a televisão está ligada já que ouço distintamente uma voz masculina. A porta da varanda está aberta, Esta Catarina não se enxerga, lá porque vive num quarto andar acha que ninguém vai assaltar-lhe a casa, pensava eu no instante em que sou assaltado por algo que vira naquele instante. Assaltado é mesmo a palavra indicada. Em cima de uma mesa, cuidadosamente depositado, encontrava-se o chapéu de um bófia. Foda-se, dei um pulo para trás e inadvertidamente pisei o Joaquim que guinchou como se fosse um gato de 2 anos. Estava eu a pensar no que fazer à minha vida quando dois vultos surgem mesmo ao meu lado. Um deles reconheci de imediato. Catarina continuava linda como sempre mas o que faz aqui um caralho de um bófia?
-Catarina – falou o chuleco – importavas de me explicar quem é o senhor que se apresenta praticamente nu na tua varanda? Algum dos teus clientes que se esqueceu da roupa?

6 comentários:

Sumares disse...

Bom! Li os capítulos todos.

Como é? Esta história avança?

Sérgio Mak disse...

Fonix, estes gajos debitam palavras que nunca mais acaba...Devem ser pagos ao caractere ou lá como é q isso se chama.

Ide trabalhar malandros!

Kinder disse...

Gajos que escrevem posts com mais de 2000 caracteres deviam ser apedrejados com dicionários e prontuários.

Mitra disse...

Tal como indica a introdução deste blog, esta é uma história on-going e depende da vontadinha que os blogueiros entendem. Por isso, se estão com pressa, passem por cima, pulhas bardasquitos.

Sumares disse...

Pois... pois... depois queixam-se que a Floribela vos roubou a audiência...

Mitra disse...

o sumares pelo menos merece desde já o nosso devido respeito e aplauso porque conseguiu a proeza de ler os capítulos escritos até agora. Eu não queria tratá-lo por fã mas importa-se que lhe chame "meu amigo"?