quarta-feira, agosto 29, 2007

Joaquim - Capítulo IX

Tal como um prematuro, sete meses depois nasce mais um capítulo da saga que faz do Manuel Luís Goucha parecer um tipo viril, tal é a sua amplitude de conteúdos e variedade de estilos literários. Não se preocupem, as capacidades dos autores estão exactamente como estavam 7 meses atrás: sofríveis. Mas a história, essa está melhor do que nunca.



Sentia-me pesado, mais pesado do que na época em que vivia à conta daquela gata persa no Restelo. Isso sim, era vida: seis refeições por dia, sexo à discrição e passeios ao fim da tarde até ao Aquaparque. Infelizmente, um camião-betoneira não pensou da mesma forma e foram precisas três horas para raspar a Mimi dos pneus...mas, divago e essa merda não me tira o peso do estômago.

O Mitra e o velhadas estão para ali às turras, aquela trampa mais parece um espectáculo do Luís de Matos, com tanto truque e macacada. O pior é que não me lembro do que me aconteceu depois do velho me ter fechado na sala com ele. Violado não fui, que ainda me lembro do estado em que ficou o cu do Palhetas, quando foi apanhado num beco, por dois taradões lá para os lados de Miraflores, aquilo parecia a entrada de um depósito de gasosa do carro. Divago novamente, dá-me para isso cada vez que tenho o estômago cheio. Mas, cheio de quê? Não como nada de jeito há uns tempos e só me lembro do velho se aproximar de mim com um bafo que cheirava a alfaces podres antes de tudo ficar preto.

Olha, agora estão os dois palermas a olhar para uma carta no tecto. Fodasse e eu sou o quê, empalhado? Espera aí que já aprendem. Saltei o mais rápido que o meu cu pesado me permitia e lancei-me de garra feita, qual Vítor Baía dos tempos áureos, aos tomates do Mitra, já que o Gonçalves me metia um bocado de medo. Curiosamente, o banana não reagiu com a ternura habitual, que normalmente se traduzia numa biqueirada no meu focinho, o que me alertou para o facto de alguma coisa estar errada.

De repente, o Mitra agarra na ponta e mola que normalmente usava para limpar os ouvidos e ocasionalmente assaltar sexagenárias na zona do Areeiro e só o oiço dizer:

- Esta merda não fica assim. Tira-me lá o pó de dentro do cabrão do gato, que eu faço-te essa merda na mesma, só pela Catarina. Mas digo-te, se me estás a contar uma história eu...eu.... (era tão típico do Mitra começar uma ameaça sem saber como completá-la) eu venho cá e corto-te os cabos da TV Cabo e sabes bem o tempo que eles demoram até voltarem a pôr isso a funcionar outra vez.

Gonçalves ria-se com ar sinistro, típico também de ex-polícia com aspirações cabalísticas:

- Realmente, mais estúpidas do que tu, só mesmo as tuas ameaças. Eu já tenho TV em sistema wireless, o plano de reforma da polícia tem dessas benesses. Mas, deixemo-nos de brincadeiras, o gato vai como está, porque o meu contacto precisa dessa tua encomenda para fazer uma pequena....operação. Por isso, senta-te aí enquanto eu faço um telefonema, para confirmar os detalhes quando chegares ao Ludoviquistão.

Não pondo em causa a estupidez do Mitra e o facto de eu até gostar de viajar, apesar da maior distância a que alguma vez estive de Lisboa foi quando fui à Costa da Caparica com um dos meus antigos donos, que me levou a ver o mar. Gostei muito, apesar de ter tido alguma dificuldade em sair do saco e a vencer a ondulação para voltar à praia...merda para as divagações, lá estou eu de novo. O facto era, que eu tinha cinco pacotes de leitinho em pó no estomago e um anormal que pensava que o velho lhe ia trazer uma gaja do mundo dos mortos só para o consolar. Estou bem fodido estou, vou é acabar nas notícias das nove, como o primeiro gato-traficante do mundo.

O Mitra parecia estar meio zombie, mas isso talvez fosse do cheiro a nata azeda que vinha dos sofás do Gonçalves. Quanto a esse, fazia o que todos os velhos fazem quando usam o telemóvel, gritava que nem um desalmado e queixava-se da qualidade da linha.

- HÃ?? VAIS O QUÊ? FALA MAIS ALTO?
- ....
- VAI LÁ FORA, AÍ NÃO TENS...TÁS A OUVIR? TOU? TOU? NÃO DEVES TER REDE CARALHO!!!
- OLHA, JÁ PERCEBI QUE...TOU? NÃO SE OUVE PÁ. OK, SIM...HÃ?? ESTÁ BEM, O QUÊ, UMA VARA DE MARMELEIRO? NÃO? AH, VELHO PANELEIRO É ISSO MEU PALHAÇO? NÃO ESTOU A OUVIR...AH, SIM SIM EU TENHO ALGO MELHOR QUE O DINHEIRO. FICA ENTÃO COMBINADO. UM ABRAÇO, CUMPRIMENTOS AOS TEUS.

Ao que parece, a tortura audiofónica tinha terminado. O Mitra levantou os olhos para o Gonçalves, que usando a antena do telemóvel, um modelo que devia ter sido dos primeiros comercializados em Portugal, limpava a orelha direita, enquanto coçava ostensivamente os testículos com a mão livre.

- Caros montes de merda, depois do que ouvi, vou ser benevolente convosco – a expressão de Gonçalves dizia-me que ele era tão benevolente como uma tábua é sensível – esqueçam o Ludoviquistão, esqueçam o avião, esqueçam o prazo de três dias.

- Epá, és um porreiro – avançou o Mitra – sempre soube que tinhas um bom fundo...

- Sim, tenho o da reforma da polícia, mas cala-te meu merdas que ainda não acabei. O meu contacto teve de sair do Ludoviquistão, depois de um acidente numa refinaria ter contaminado aquela cena toda. Acho que ainda deve estar a sofrer de efeitos secundários, porque está quase surdo, mas fugiu do país.

Por falar em acidentes, o estômago cheio estava a dar-me gases, o que me fazia lembrar um mecânico em cuja garagem já tinha vivido e que tinha sido a primeira pessoa que me provou, várias vezes ao dia, que a Humanidade por dentro está podre. Epá, lá estou eu a divagar e o Gonçalves não se cala.

- Por isso, tu e o teu gato, têm novos planos. Vão ter de ir a Manta Rota, buscar a chave, porque ele chega hoje ao Algarve, em trânsito para Zanzibar. Se até ao final do dia de hoje eu não tiver a chave meu palhaço, podes começar a tornar-te apreciador de Naturezas-mortas, já que vai ser só assim que vais ver a tua querida Catarina. Além disso, ele tem o antídoto para o veneno que deixei junto com a droga no teu gato. Está feito para só o matar ao fim de três dias, mas sabes como são estes produtos chineses, nunca fiando.

Droga, veneno, Manta Rota??? Não ouvia tanto sinónimo junto, desde aqueles concursos que o António Sala apresentava na televisão. Mas, não me agradou nada aquela parte em que eu morria nesta história do Gonçalves. E, pela cara do Mitra, um Ultra Levur devia dar jeito, já que parecia que estava a ponto de se ir borrar todo.

- Mas...mas – o Mitra estava a fazer tilt – Manta Rota? Eu nem sequer tenho um bronzeador decente e os meus calções estão me justos e....

- Não tenho tempo para esses queixumes e tu também não deverias ter, com o que está em jogo. – Gonçalves abriu uma gaveta e tirou de lá uma folha de papel, em que escreveu algumas coisas e duas notas de 50 Euros – Aqui tens as indicações que só deves abrir depois de chegares a Manta Rota e, como imbecis como tu andam sempre tesos, toma lá 100 Euros para a viagem. Não gastes tudo em bebida meu animal e pede recibos de tudo, que me dá jeito para o IRS. – E com isto, abriu a porta da fente.

O Mitras pegou-me ao colo e saiu sem dizer uma palavra, com as notas e o papel no bolso. Ainda ouvimos o Gonçalves a arrotar sonoramente, como que dando o sinal de partida para esta epopeia que estava agora a começar. Um dia para salvar o mundo, ou melhor, para me salvar a mim, o que vai dar ao mesmo. A cena da gaja morta, da chave e tudo mais são acessórios. Sim, fodasse porque essa história dos gatos terem porradas de vidas é um mito urbano. Tenho uma só e não me apetece perdê-la com pacotes de coca enfiados pelo cu acima...

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Joaquim - Capítulo VIII

Após um longo período de recuperação do autor, depois de mais uma tentativa de desintoxicação - sem resultados, diga-se - surge mais uma página da vida do mitra Alfredo e seu fiel servo Joaquim, uma história que começa a tomar proporções de uma novela da TVI. Este é mais um capítulo. Leia os anteriores se quer ser feliz.


O trinco desliza suave numa fechadura oleada imaculadamente e oiço a porta fechar. “Que raio de tipo!”. Não sei porque raio me senti inferiorizado e acorrentado como se o seu tom de voz áspero comandasse todos os meus movimentos. Mas mais preocupante era o olhar demoníaco insistente no pobre Joaquim. O que poderia fazer a um gato? Tudo. Lembrava-se agora que quando era mais novo, os gatos eram dóceis cobaias de estranhas formas de tortura, de novas formas de dor executadas com perícia e sadismo q.b. Uma vez lembrou-se de atar as patas traseiras e pendurou-o a um andaime de umas obras ditadas ao abandono próximo de casa. As patas da frente ficariam esticadas a um centímetro do chão. Lembra-se do tempo que perdeu para que esta medida fosse meticulosamente respeitada. Era imprescindível que o gato ficasse com uma falsa esperança de atingir o chão e que, ao agitar-se e mexer-se para isso, provocaria um alagamento do de sangue por todo o cérebro até à perda de consciência total. Alfredo conseguiu provar, aos dois anos de idade que os gatos não são mais que os outros animais, apenas têm uma vida.
Alfredo poderia estar aqui páginas consecutivas a descrever todas as suas habilidades de tortura mas neste instante só queria arranjar uma forma de salvar Joaquim das garras do Gonçalves.
Olhou para a porta fechada e estranhamente nem um som escorria por entre as frinchas. Aproximou-se e encostou os ouvidos à porta na esperança de ouvir algum ruído que pudesse dar-lhe alguma pista do que acontecia do outro lado. Nada. Silêncio absoluto. Decidiu então afastar-se da porta e circular um pouco pela casa. Aproximou-se da janela que dava para a rua e assistiu aos últimos movimentos policiais. Uma ambulância ligava as sereias e partia a toda a velocidade por uma cidade que começava a acordar lentamente. Outra mantinha-se preparada, de portas abertas, à espera de mais um corpo. Os mirones e curiosos, mantidos à distância por uma fita branca de riscas vermelhas, debatiam-se em justificações e curiosidades, sobre o aumento da criminalidade na zona, das sarjetas entupidas e da falta de policionamento na área. Um polícia procurava indícios no exterior, segurava uma lanterna e apontava-a para o chão calcorreando a calçada. Outro olhava fixamente para a árvore que eu escalara horas antes. Aproximou-se com uma lanterna e rondou toda a copa da árvore em busca de algo. De repente, desabotoou o fecho e alagou-se todo em urina. Eu respirei bem fundo mas logo deu um salto de sobressalto. Das escadas veio um enorme estrondo. Aproximei-me do óculo da porta e espreitei lá para fora:
-Foda-se carlos, Foda-se. – Gritava um paramédico para um dos colegas – Olha-me para esta merda. Foda-se carlos.
-Tem tento na língua – respondeu-lhe o outro.
-Tenho tento o caralho, foda-se Carlos. Olha-me para esta merda, deixar cair a morta pelas escadas abaixo!
Naquele instante Catarina era a mais bela morta que alguma vez vira por um óculo de uma porta. Ali despojada de tudo, apenas coberta com um lençol branco e com um braço virado do avesso, já com mazelas a descoberto e escoriações à vista de todos.
Voltaram a colocar o corpo em cima da maca e foram a barafustar o resto do caminho. Ouvi a porta de cima a ser fechada e assisto à conversa dos últimos agentes que ainda restavam no prédio. Vinham a descer vagarosamente discutindo os resultados do Campeonato Mundial de apneia de piscina curta. Foram também os últimos passos que ouvi nas escadas.
Voltei a dar atenção à casa do Gonçalves. Uma lareira que dava sinais de não fazer muita companhia. Por cima desta estavam penduradas duas cabeças de animais selvagens provenientes de alguma caçada: um tipo da Damaia e, por incrível que pareça, o Cabeças. Um tipo que eu conhecera no Bairro do Fim do Mundo e que se safara sempre da choldra. Pelos vistos não conseguira fugir do Gonçalves que assim o preservava como uma espécie de troféu. Lembro-me que o Cabeças tinha muito orgulho nos seus olhos, dizia que convencia as putas todas a fazer descontos, só pelos lindos olhos dele. Hoje tinha os olhos esbugalhados, de surpresa de ali estar e duvido que alguém lhe fizesse um preço-amigo. Não posso deixar de achar irónico como um tipo chamado “Cabeças” acabou por ver a sua cabeça pregada numa parede.
Do outro lado da sala encontrei uma enorme estante repleta de livros. Percorri alguns dos títulos e curiosamente quase todos versavam sobre o mesmo assunto. Antiguidades, Relíquias, Tesouros Secretos da Humanidade, Gizé e o Faraó, Anita vai ao Templo de Tutankhamon entre outras preciosidades.
No centro da sala, a mesa e, meu Deus, a minha arma. Rapidamente segurei no ferro e procurei os sacos de droga que deveriam estar repousados em cima da mesa. Nesse instante a porta abre-se e vejo o Gonçalves com o gato nas mãos, fazendo-lhe festas. O gato ronronava e eu apontei-lhe a arma:
-Meu cabrão do caralho, agora não te safas. Pensas que eu sou o quê, velho do caralho? Podes espreitar lá para fora porque vais perceber que os teus amiguinhos já não estão por cá.
O Gonçalves mantinha-se sereno a fazer festas ao Joaquim.
-Não me ouves, caralho? O que é que fizeste ao gato? Larga o gato, foda-se. – Eu ía aumentando o tom de voz e o olhar do Gonçalves mantinha-se tranquilo. – Não me ouves, velho do caralho? Põe já o gato no chão antes que...
-Antes que.... – interrompeu-me com um olhar cândido e de ternura na voz.
-Foda-se, mas é preciso tirar um curso para perceber que eu tenho uma arma apontada? Quem manda nesta merda sou eu. Poe o gato no chão e....aliás...onde é que está a droga que eu tinha metido na mesa?
-Ah, finalmente uma pergunta interessante. Mas se queres ouvir a resposta aconselho-te já a baixar a arma, senão as coisas azedam.
-Azedam mas é para os teus lados, ó ancião. Já sinto o cheiro das ferdomonas...
-Feromonas, pá...
-Essas também...de tão borrado de medo que estás. Ó cientista, põe a merda do gato no chão, dá-me a droga de volta e saímos daqui de fininho como se nada tivesse acontecido, amigos como dantes. Pode ser ou preciso que a arma fale por mim?
Gonçalves colocou o gato no chão com vagar, deu dois passos na minha direcção e encostou a arma ao seu peito. Confesso que fiquei nervoso com o gesto:
-Estás armado em menino, é? Tu daqui não sais, palhaço. E vais fazer aquilo que eu mando, ouviste, cabrão? AQUILO QUE EU MANDO!
Ouviram-se disparos quando puxei três vezes o ferro. Fechei os olhos instintivamente para abafar o impacto visual. Quando os abri, o cabrão do velho mantinha-se vivo à minha frente, ria-se da minha cara incrédula e tira do bolso o carregador da arma.
-Não sei como é que consegues matar alguém sem balas. – E antes de obter uma resposta à altura deu-me um pontapé na minha única zona erógena. Encolhi-me e fiquei prostrado a ganir durante algum tempo enquanto ele explicava o seu plano.
-Agora que estamos mais calmos, já podemos falar como duas pessoas civilizadas. – Voltou a pegar no Joaquim e reparo que o gato está demasiado dócil.
-O que é que fizeste ao gato, velho? – Perguntei-lhe eu entre gemidos.
-Estás a falar deste gatinho querido e fofo? Pois o teu gato é uma peça fundamental neste meu esquema que eu estou a montar. Mas porque eu não confio em gatos pretos, preciso que o dono dê uma ajuda.
-Foda-se...
-Calma, é simples. Neste momento, o teu doce, terno e tenro gato ainda está sob o efeito de uma anestesia.
-Anestesia?
-Por vezes é necessário controlar os instintos animais. Neste caso foi necessário introduzir 5 pacotes de droga no estômago do bicho e 5 comprimidos de um antilaxante.
-Não estou a perceber nada, foda-se.
-Calma. As melhores coisas chegam sempre àqueles que esperam. Gostas de viajar?
-Não percebi a pergunta.
-Então, nesse caso aqui vai a resposta. Estou a oferecer uma viagem para duas pessoas, quer dizer, no teu caso, para uma pessoa e um gato até ao Ludoviquistão.
-Continuo sem perceber.
-Tu e o teu bicharoco vão fazer uma entrega a um contacto meu do Ludoviquistão. Em troca receberás uma chave enferrujada. Não a subestimes, pode estar carcomida pela ferrugem mas eis nela habitam poderes para os quais não estás preparado, pois trata-se da Grande Chave que revela todos os segredos do Templo de Zacarias da Babilónia...
-Vais trocar droga por uma chave que abre o centro comercial da Amadora?
-Ignorância Suprema, és apenas um servo e um peão ao serviço de uma tarefa maior.
-Maior que o centro comercial Babilónia? Eh pá...
-Essa chave terá de estar nas minhas mãos antes do sol atingir o máximo deslocamento a sul do planeta, antes do Solstício de Verão. Por outras palavras, tens apenas 3 dias para me trazer a chave.
-Senão, o quê, ó Velhadas das Chaves do Areeiro? Fazes umas mezinhas com cogumelos selvagens para que os meus tomates caiam?
O Gonçalves sorriu entre dentes e largou a bomba atómica:
-Se me trouxeres a Grande Chave, prometo-te que a Catarina volta a ter vida.
-Foda-se, ó velho do caralho. Mas estás-me a achar com cara de quê? Foda-se. Tenho a quarta-classe tirada, carta profissional de pesados e nome na praça. Achas que acredito nessa merda? Foda-se, a Catarina está morta, pulha de um cabrão, morta por um cabrão igual a ti. Mas mais novo do que tu.
-Cépticos como tu necessitam de ver. Vamos fazer o seguinte, então. – E aproxima a sua mão da minha cara. Encolhi-me com o movimento brusco mas ele foi mais rápido, mostra-me uma moeda e faz a pergunta fundamental– O que é isto?
-Isso, foda-se, é uma moeda de dois euros, ó caralho.
-E o que estava a fazer uma moeda de dois euros atrás da tua orelha?
-Foda-se, eu não tinha nenhuma moeda atrás da orelha.
-Então, como é que ela apareceu na minha mão?
A questão deixou-me perplexo, angustiado por nunca ter percebido como é que eu andava com uma moeda de dois euros atrás da orelha, tal como uma carraça, sem o saber. Estava eu ainda a procurar respostas às minhas dúvidas quando vejo o velho à minha frente com um baralho de cartas nas mãos. E voltou a propor algo:
-Escolhe uma carta.
-Qualquer uma?
-Sim, olha para ela e depois volta a colocá-la aqui no meio das outras.
Tirei a carta, olhei para ela e era um terno de paus. Mas quando voltei a colocar a carta, retirei-lhe o baralho das mãos.
-Pensas, o quê, ó Chaves. Sou eu a baralhar. – E baralhei aquilo. Foi então que ele se virou de costas e disse: - Baralha que eu nem quero ver isso – Eu baralhei, baralhei e voltei a baralhar – Então? Isso demora muito? – perguntou - Já está. – E dei-lhe novamente o baralho para as mãos.
O Gonçalves ficou a olhar demoradamente para o baralho e retirou uma carta do meio. Apontou-me a Rainha de Copas.
-Era esta?
-Ah Ah Ah. Foda-se velho do caralho. Não era.
-Espera. Então era esta. – E mostra-me um Valete de espadas.
-Ah Ah Ah, ó Chaves, estás a cair no ridículo, foda-se.
-Espera. Não me digas que é aquela? – E aponta para o tecto da sala. Fiquei branco e depois percorri todos as outras cores até ficar sem pingo de sangue. Ali, bem colada como um iman, a carta que tinha escolhido: o terno de paus.
-Da mesma forma que aquela carta ali apareceu, também posso fazer aparecer a vida à Catarina. Só preciso da Grande Chave.
-E porque não vais lá tu buscá-la, caralho?
-Tenho medo de andar de avião.
-Quantos dias tenho?
-Tal como o número da carta que escolheste: três.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Joaquim - Capitulo VI

Mais um capítulo nesta saga que já se tornou uma das melhores histórias escritas na internet, a meias, entre dois tipos que acreditam que a cientologia não devia ser uma religião nem ciência mas sim um clube de sueca. Já vai no sexto capítulo. O que faz pensar que você anda a perder muito na vida, não é?


Catarina coloca o Joaquim no chão, vira-se de costas e ouço a sua voz nu tom bastante irritadiço, como se falasse para dentro:
-Que merda de dia. Eu devia... – barafustava ela enquanto eu tentava vestir as calças à pressa. Tudo porque tentava esconder a enorme protuberância que se tornava cada vez mais evidente e proeminente ao nível da zona do baixo ventre.
-Devias o quê? – interpelava eu para ganhar uns segundos de distração, o suficiente para desviar o assunto e o olhar da Catarina do enorme inchaço que se tornava cada vez mais incómodo. Esta mulher deixava-me sempre louco de desejo, mesmo 4 anos depois sentia uma ligação e uma atracção física incontrolável.
Desesperado, para que as calças entrassem o mais rápido possível, atrapalhei-me e num gesto bizarro pisei uma das baínhas, ficando sem apoio sustentável e fui conhecer pessoalmente o chão de tacos da anfitriã. Bati violentamente com a cabeça no chão. O meu cérebro esquecera-se de passar a informação às mãos e pernas que se degladiavam entre si esquecendo-se de uma função básica na queda, conhecida como "amparar". Nesse instante, Catarina lança-se na minha direcção e num voo diabolicamente olímpico consegue amortecer a minha queda segurando-me um dos braços. Não o devia ter feito. Preferia ter marrado mesmo de frente ao chão do que assistir pessoalmente ao momento incómodo que se seguiu. Explica-se. No preciso momento em que ela segurou-me, senti a sua suave mão em contacto com a minha pele. Todo o meu corpo estremeceu numa questão de milésimos de segundo, lembrando-se do seu último e suave toque feminino quatro anos antes, exactamente pela mesma mão. Num silvo rápido e intenso, descontrolei-me e ejaculei abundantemente à medida que caía. Larguei um enorme grito, não de pânico mas de prazer e acabei estatelado no chão a ganir como um cão. Catarina aproximou-se:
-Meu Deus, estás bem?
Eu gemi mais duas vezes, completamente extasiado. Ela virou-me de costas e eu prontamente assumi uma posição fetal agarrando tudo aquilo que me fazia homem. Foram 4 anos contidos que agora desapareciam em poucos segundos garantindo-me um prazer inimaginável. Catarina, alheia a este facto, olha para a minha zona pélvica e dá um salto para trás, assustada. Leva as mãos à cara e grita desesperada ao ver que estava todo molhado:
-Meu Deus...que horror....esborrachaste os tomates!!!!!
-Mas...não...
-Temos de ir a um hospital...meu Deus.... – abriu a sua mala à procura do telemóvel – vou chamar o 112.
-Não...não... – um misto de prazer com dor provocavam-me um aperto nas cordas vocais impedindo um volume mais alto no tom de voz.
-Bolas, tenho de ir para a varanda que aqui não tenho rede.. – e começa a cheirar----snif...mas que cheiro é este? Parece que cheira a...– Passa por mim e desta vez demora mais tempo a olhar para este triste espectáculo enquanto eu permaneço com um sorriso estúpido na cara:
-Alfredo...tenho a sensação de que rebentaste mesmo os tintins... é que está aqui um cheiro a....
-Sim...eu estou bem...não foi nada. Isto acontece-me sempre que marro de frente com o chão da tua casa.
Catarina ainda fica quieta e em silêncio a tentar processar certas informações. Segundos depois, denoto que já descobriu o que se passa. Desliga a chamada e volta a guardar o telemóvel na mala:
-Bem, se calhar é melhor ires tomar um banho...
-Sim, é melhor – acedi eu enquanto me levantava de novo sem calças. Começo a andar em direcção à casa de banho quando me lembro do Joaquim:
-Onde é que raio está o caralho do gato? – Olhei para a varanda e vejo o meu casaco ganhar vida própria. Mexe-se no chão. Um vulto movimentava-se dentro do bolso do meu casaco. Suspirei de alívio. “Ah, está a tomar conta do material!”. Lembrava-me agora que ainda possuía uma arma e droga que tinha de ser despachada no final desse dia. Droga, uma palavra que me reavivara a história do bófia quando falara de uma suposta apreensão esta manhã. Poderia ser um achado e uma óptima fonte de rendimento se eu o tivesse seguido, quem sabe poderia descobrir o local da apreensão e conseguir sacar a droga primeiro. Ora aí está uma boa perspectiva de negócio. E sabendo que quando há uma apreensão significa de que existe quantidade....mas o que é que estás a pensar Alfredo? O homem já se foi. Esquece. Neste momento só precisas de um bom banho, convencer a Catarina a dar-te um tecto enquanto as coisas se acalmam e tu despachas o material. Tranquilo. Nada mais simples. Depois logo se vê.
Entrei na pequena casa de banho. Foi brindado com uma mistura de cheiros, aromas e sensações. Tudo com delicadeza e pureza femininas. Entra-se numa casa de banho de gajo, ele pode ter lá todos os cremes paneleiros e os perfumes mais caros do planeta, que o cheiro da urina da sanita ganha vida e sobrepõe-se a todos os outros. Tudo isto me fez lembrar a minha mãezinha que, sempre que lavava a casa de banho, vociferava: “merda para o caralho dos homens!”. Não por inveja de o fazermos de pé mas sim porque salpicamos sempre tudo. Aquela casa de banho não tem nada disso. Por existir outra casa de banho mais pequena para as visitas, esta aqui permanecia pura e limpa de homens. Aqui reina o cheiro de cremes, do gel, do shampo, da loção, do perfume, do sabonete, até a humidade do cortinado que cobre a banheira tem outro cheiro. E está tudo tão limpo que se fosse realizado o teste do algodão, concerteza que seria o responsável pela conspurcação do ambiente.
Um canto daquela divisão chamou-me a atenção. Totalmente fora do contexto deste arranjo celestial, de brilho e limpeza, uma pilha enorme de revistas e jornais rasgados ocupa um enorme espaço. Tirei a revista de cima e comecei a folhear. De repente cai uma folha solta, propositadamente arrancada. Tento ver com mais atenção e vejo metade de um anúncio de publicidade. Era de uma urbanização, mostravam-se plantas e imagens de tranquilidade e espaço. Não fazia sentido nenhum ela ter separado esta folha das restantes. Estaria a pensar mudar de casa? Mas para Almeirim, o local indicado naquele reclame? Foi então que decidi virar a página. Do outro lado encontrei uma folha de horóscopos. Voltei a colocar a folha dentro da revista e decidi tirar outra da pilha. Aconteceu exactamente o mesmo. Desprendeu-se uma folha, de um lado metade de uma reportagem sobre barcos, do outro uma folha de horoscopos.
-Bolas...claro, como é que não pensei nisto antes? – Falei em voz alta. Tal como já avisara, é sempre bom acordar a voz silenciosa que ouvimos por dentro. Catarina era fascinada por tudo o que evocava misticismo, astrologia e essas coisas do além para as quais eu fico aquém.
Senti um aperto nos intestinos e sentei-me na sanita. Puxei de uma revista e comecei a ler os horoscopos. Em comum, havia marcas e círculos à volta de “Aquário”. Não é preciso ser muito inteligente para deduzir que tinha encontrado o signo de Catarina. Decidi procurar o mais recente. Diz o dela:

“AQUÁRIO
Esta semana tudo tende a correr bem dada a sua inspiração para enfrentar os problemas e mal entendidos que podem surgir. No plano afectivo, a semana é promissora nos amores. Uma relação do passado surgirá na sua vida. Na saúde, influências negativas. Evite comportamentos que mais tarde podem ser fatais.”

Sorri com desdém a tanta coincidência. Decidi tirar tudo a limpo.
-Catarina? Catarina? – Gritei eu. Ela aproximou-se da porta da casa de banho.
-Não me venhas com a desculpa que precisas que te esfregue as costas.
-Não, nada disso. Olha...eu não sei como te perguntar isto...mas...
-Diz lá...
-Qual é o meu signo?
-És Sagitário.
-Bem, assim de repente. Com essa rapidez só posso assumir que tens a certeza.
-Acredita, eu sei bem qual é o teu signo. Os Sagitários são desastrados. Metem sempre o pé na argola e não sabem quando calar-se. Estão sempre à procura de novos horizontes, adoram aventuras e odeiam restrições na liberdade pessoal.
-Acho que sim....mas isso também pode ser qualquer pessoa.
-Mas porquê? Andas a ver as minhas revistas?
-Pois......que engraçado.
-Qual é a graça?
-Os nossos signos rimam. Aquário, Sagitário. Achas que é coincidência?
-Se calhar é o destino.
-Já cá faltava.
Nesse instante ouve-se a campainha da porta.
-Ó diacho.... Precisas de mais alguma coisa?
-Não.
-Então vou ver quem é... – foi a falar sozinha até à porta e eu decidi ler o meu próprio horoscópo para o tira-teimas. Percorri todos os signos à procura dele. Aqui está:

SAGITÁRIO
“Esta semana dará importantes passos na vida sentimental iniciando várias relações, uma nova e outra que é retomada. Os acontecimentos são marcados por uma lufada de ar fresco que torna a vida sentimental mais alegre. No plano económico, possibilidade de crise com redução de dividendos. Necessita de encontrar mais uma fonte de rendimentos.
Na saúde tenha especial atenção aos pés e na retenção de líquidos.”



Já não sorri. Ainda estava eu assustado com a coincidência quando começo a ouvir alguns gritos. Catarina aumenta o tom de voz para alguém. Levanto-me rapidamente, encosto a orelha à porta e tento ouvir alguma coisa. Nem precisava porque começo a ouvir vozes com maior intensidade. No início, as vozes misturam-se numa mescla imperceptível mas logo reconheço as vozes. O cabrão do bófia tinha voltado:
-Mas pensas que me enganas, ó badalhoca? – gritava o estafermo – Pensas que eu não percebo. Estive lá em baixo à espera durante meia-hora....
-Mas eu garanto que ele desceu.... pode ter saído pela porta das traseiras...
-Desde quando é que este prédio tem traseiras, porca de merda? – E de repente ouve-se um estalo. Catarina grita e eu não me contive. Borrei-me pelas pernas abaixo e os meus pés ficaram soterrados no almoço desse dia. Desconcertado por me encontrar naquela posição, tento vislumbrar uma saída enquanto a discussão na sala continua alto e a bom som:
-Vá, minha puta de merda, chama a bófia, vá. – ouvia estas palavras de forma entrecortada entre os salpicos da água. Nesse instante decidira que o melhor era lavar-me no bidé e tirar as partes maiores na banheira. Enquanto isso, Catarina continuava a ser alvo de um enxerto de porrada de um agente de autoridade – onde é que ele está, minha cabra? Ele ainda está aí, não é minha putéfia? Acabas um serviço e metes-te logo noutro, minha porca?
De repente, os gritos viram-se. No teatro violento daquela sala, ouço agora o bófia aos gritos. O enredo muda de figurino, as peças e os actores parecem agora assumir outros papéis. Catarina estava a dar luta, pensava eu. Ouvia encontrões aos móveis, jarros a partirem-se e no meio disto tudo distingui o “rosnar” de Joaquim. Vesti as calças, abri a porta devagar e tento agora ver o que se passa. Vejo a cara do bófia toda preta:
-Mas porque raio o bófia vem de barba postiça? – pensei eu. Mas logo percebo que a suposta “barba” é o incrível Joaquim agarrado com garras e dentes à cara do agente. O gato está todo maluco, encontra-se possuído por algo que eu desconheço. O bófia grita com dores lacinantes, o Joaquim não sai da cara dele, quase que a arranca com violência. Eu aproximo-me, pego numa cadeira e descarrego a energia cinética no lombo do bófia. Este cai estatelado no chão, totalmente inanimado ou morto, não sei. Catarina entretanto recompõe-se, vem ofegante, abraça-me durante uns segundos. Ficamos ali, agarrados um ao outro, num ambiente romântico até que me diz:
-Cheira a cócó.
-Hum...eh...é dele – apontei para o bófia que se encontrava deitado de barriga para cima.
-Achas que se borrou?
-Eh....É comum isto acontecer. Ouvi falar de um caso semelhante em Cinfães, no ano passado. Normalmente, as pessoas com personalidade mais violenta têm os intestinos mais cheios de gases e soltam-se com mais facilidade. Deve ter sido quando lhe dei com a cadeira nas costas, o impacto deve ter pressionado as vértebras e, vai daí, este cheiro.
-Achas que está morto?
-Pelo cheiro, sim, ah aha ahh – ri-me a bandeiras despregadas.
-A sério, Alfredo. Ele pode estar morto. Não podemos ter um polícia morto dentro de casa. E fizémos tanto barulho que alguém pode ter chamado a polícia.
-Ei, onde é que está o Joaquim? – Olhei em redor e fui encontrar novamente um pequeno vulto a movimentar-se debaixo do casaco – Joaquim? Anda cá. – O raio do gato parou. Lentamente começa a andar debaixo do meu casado e sai - Foda-se, Joaquim! Que merda é esta?
O gato vinha com o focinho branco e num ápice começou a correr de um lado para o outro. Fui buscar o meu casaco, levei a mão ao bolso e contabilizei apenas 8 sacos. A mão quando saiu veio totalmente branca.
-Alfredo? – Catarina levou as mãos à cara assustada – Diz-me que isso não é o que eu penso que é.
-Isto? Isto o quê?
-Isso é droga, não é?
-Droga? Que disparate! É um pó para o estômago, um antiácido – Entretanto o Joaquim andava em grande azafama. Corria, parava repentinamente, voltava a correr, parava novamente, miava ligeiro como se cantasse e, do nada, voltava a correr a grande velocidade – É claro que pode ser considerado uma droga, no sentido de "medicamento", mas droga no sentido de droga? Que coisa mais disparatada.
-Meu Deus, Alfredo. É mesmo droga – Catarina aproximou-se e retirara uma unha - E da boa.
-Bom, nesse caso é mesmo droga. Mas não te posso deixar cá uma grama gratuita. Já estou a ver que o caralho do gato está a estragar-me o negócio.
-Estragar? És tão mitra. Se não fosse ele, não estaria viva agora.
-Ena, para quem era superticiosa....nada mal para um gato preto que em cinco minutos já se cruzou várias vezes no teu caminho.
-Por acaso reparaste quantas vezes ele passou? Era número par ou ímpar?
-Catarina, relaxa. Agora temos de pensar numa forma de nos livrarmos deste tipo.
-E como é que achas que....
Catarina não conseguira pronunciar o resto da frase. Foram as suas últimas palavras. Decerto que ela pensara nas suas últimas e estão não estariam na shortlist. Perante a nossa distracção, o polícia recuperara minimamente os sentidos e embora deitado, e à traição, conseguira sacar da arma. Disparou dois tiros mortais. Catarina, com o impulso das balas cravadas nas suas costas, deixa-se cair. O tempo parou quando vejo o corpo daquela mulher desfalecer. Oiço de novo outro disparo e o corpo de Catarina sucumbe ao impacto. Tenho o corpo daquela mulher nos meus braços e quando olho para o bófia, percebo que ele recupera as forças para mais um disparo. Levanta o cano e vem na minha direcção. Num dos seus repentes, Joaquim passa à frente do homem e um pequeno toque no seu braço faz desviar bala que zumbe nos meus ouvidos. Quando volto a abrir os olhos, tomo consciência que o desvio de Joaquim salvou-me a vida. Lá fora, e para compor o ramalhete, oiço a aproximação das sirenes da polícia. Vários carros foram chamados ao local e nem preciso pensar muito que estou no sítio errado, à hora errada. Não conseguirei explicar nada disto, tenho cadastro e o polícia mantém-se vivo para desmentir qualquer história que possa dar como verdadeira. Por sorte, o polícia já não tem forças para levantar de novo a arma. Agarro no casaco, saco um pacotinho de pó e começo a chamar pelo bichano. Atraído pelo isco, Joaquim aproxima-se de mansinho, começa a ronronar e eu aproveito para o meter dentro do bolso: “Já me safaste muitas vezes, Joaquim”.
Quando estou a sair do apartamento oiço passos apressados subirem as escadas do prédio. Comecei a pensar nas alternativas de escape: não posso sair pelas escadas, não posso ficar em casa, não posso sair por onde entrei. Olho em frente e toco à campainha do vizinho. Ninguém abre a porta. Os passos dos polícias aumentam de intensidade, estão cada vez mais próximos. Volto a tocar com mais força, os polícias estão no patamar de baixo quando oiço uma voz de dentro de casa perguntar quem é. Eu respondo:
-É a polícia! Abra a porta.
-A polícia? Mas que raio... – o velho não terminou a frase. Já estava com o cano da minha arma entre os dentes mal abriu a porta.
-Para dentro, vá. – E a verdadeira polícia chega ao piso no preciso instante em que fecho a porta atrás de mim. Apontei a arma ao velho e fiz sinal para se manter calado.
-Caludinha - murmurei baixinho – você vive sozinho? - Ele anuiu com a cabeça – Pouco barulho senão temos o caldo entornado.
Fiquei com a cabeça encostada à porta para ver se percebia alguma coisa do que se passava. Contei uma meia dúzia de agentes. Mas mal descobrissem o cadáver de Catarina, seria um ninho de polícias e agentes da Judiciária. Ouvi um dos bófias dar instruções a um outro. Ouvi claramente a palavra “vizinhos”. Iriam concerteza falar com todos os inquilinos, incluindo este.
-Oiça, avô. Há duas formas de fazer isto. A bem ou a mal. Como é que vai ser? – O velho fitou-me nervoso. Nesse instante, batem com estrondo à porta.
-Polícia! Está alguém em casa? Abra a porta! - batem violentamente na porta, não será chuva nem será gente - Polícia! - voltaram a gritar do lado de fora - Abra a porta!

quinta-feira, agosto 24, 2006

Joaquim - Capítulo IV

Atenção: tal como se encontra identificado em título, esta história já vai no seu quarto capítulo e é uma história partilhada entre dois dos maiores escritores da linha que liga Sacavém a Algés. O capítulo anterior encontra-se mais abaixo.


Em menos de três tempos, o que se deduz portanto em dois, consegui escapar ileso apesar do peso do arsenal que carregava nos bolsos. Num dos últimos saltos entre telhados, o meu pé resvalou e soltou-se uma telha. Escancarou-se no chão, poderia ter desferido um golpe fatal em algum traseunte, daqueles que decide passear-se às tantas da madrugada com um cão, talvez. Nem por sombras, mal eu pensara no tal bicho e outro bicho, Joaquim, miara em sinal de desagrado.
Chegando a chão firme, as minhas pernas tremiam como varas verdes. Antigamente, andar por telhados davam-me a sensação de ser um qualquer super-heroi, sem capa; mas a idade não perdoa. As rótulas não são as mesmas, os joelhos já não se dão bem com os meniscos e a merda do colesterol anda a fazer amizade com o ácido úrico. Por outras palavras estou a ficar velho para tanto alpinismo urbano. Estou a sentir o peso dos anos, o peso das pernas, o peso da barriga, um peso na consciência e um peso nos ombros. Junte-se a tudo isto o peso do que trazia nos bolsos e vê-se logo que não ando bem.
Tenho que encontrar guarida mas não pode ser em casa desconhecida. Preciso de um tecto familiar, estou necessitado de carinho, de atenção de o calor de um aquecedor, de uma manta ou de uma colcha. Bolas, o que é que eu estou para aqui a dizer, estou a precisar dum rabo gelado de uma gaja.
A noite avançava enquanto a minha mente deambulava e procurava uma solução para o meu abrigo. “Pois, vai ter de ser. Não tenho alternativa, ainda por cima não estou muito longe”. Falei em voz alta. De vez em quando faz bem para não me esquecer de que existem cordas vocais, porque estou cansado de falar comigo mesmo, sempre para dentro. A minha mãe sempre me dizia que “quando falas para dentro só falas sozinho e ninguém te ouve”. Uma mulher inteligente embora abussasse das redundâncias, o que fazia dela uma mulher sempre certeira nos comentários, nunca se enganava naquilo que tinha para dizer porque dizia sempre o mesmo.
Quem procurava eu? Catarina, a única mulher que realmente amara e que sentia por mim algo que nunca compreendi. Não sei se era mesmo ódio. Amor não era porque tirando as sessões de sexo conveniente e que ambos os corpos pediam, não havia mais nada entre nós. A não ser uma ligação factual, algo que ela descrevia como “se calhar é o destino.” Nunca percebi essa coisa do destino. “O destino é algo que não controlamos mas que define todos os nossos passos”, dizia ela. “Quem define os meus passos sou eu, não essa coisa do destino. Estás a ver alguns cordéis pendurados nos meus braços. Olha bem, achas que sou alguma marioneta?”. Ela encolhia os ombros e sorria como se eu não entendesse o que ela dizia. O que era verdade. Mas talvez tivesse chegado a hora do destino bater-lhe à porta.
Enquanto caminhava pensava na melhor forma da surpreender. Como se bater à porta de alguém às 3:30 da madrugada, não fosse surpresa suficiente. Mas depois de quatro ou cinco anos sem dar notícias, tinha de preparar algo mais elaborado.
Catarina lutara toda a noite contra uma terrível insónia. E que lhe ganhara aos pontos. A luta tinha sido tão desigual que Catarina só encontrou uma forma de descansar. Entra na casa de banho e limita-se a preparar um banho de imersão, convencida de que a noite poderia aparecer-lhe mais cedo nos lençóis. Despe-se e vemos as linhas do seu corpo, algo que deixaria uma jovem de vinte e poucos anos mergulhada em inveja e vergonha. Quarenta e quatro anos não deixaram marcas na silhueta de Catarina; é incrível como se consegue ter um corpo tão escultural sem correr em tapetes nem recorrer a cremes.
Catarina olha para o seu corpo. De uma maneira diferente, claro. Ela percorre todos poros da pele com grande detalhe à procura de defeitos, de um pêlo encravdo, de um sinal problemático, de algo com que se possa afligir porque ser mulher é assim. Não encontra nada de errado e decide mesmo assim marcar uma consulta no oftalmologista porque o problema pode estar na visão. Antes de mergulhar, coloca o mais genial e apurado termómetro criado pela Humanidade, a mão. E quando se prepara para levantar a perna e arrastar o resto do corpo para dentro da banheira, ouve-se a campainha tocar. A estas horas?, ouvimos o seu pensamento. Por amor de Deus, são quase 4 da manhã, devem ser alguns gaiatos a brincarem com as campainhas tal como eu fizera na idade deles. Mas o som da campainha ouviu-se mais uma vez e com maior intensidade. Catarina veste um roupão e decide abrir a porta. Do outro lado estou eu, a suar em bica pela corrida que fiz ao subir oito lanços de escadas.
-Quando é que mudas para uma casa com elevador? – perguntava-lhe eu, respirando golfadas de ar inspiradas com grande violência.
-Alfredo? – fechou melhor o roupão apertando-o com um nó – Alfredo?
-Não gastes tanto o meu nome. Não me vais convidar para entrar?
-Ehhh.....desculpa, entra, entra. – Fecha-se a porta atrás de mim – Mas o que é que fazes acordado a estas horas? E o que fazes aqui? Espera, não me digas que estás metido outra vez em problemas?
-Não, nada disso. – E quando me ponho mais à vontade, tiro o Joaquim do bolso do casaco – desculpa, mas ele pode andar pelo chão? Prometo que não estraga nada.
-Alfredo, sabes o que sinto com gatos pretos.
-Ah, é verdade, tinha-me esquecido como és surpesticiosa, acreditas que tudo te dá azar....
-Não, não digas essa palavra. – E de imediato lançou-se até a uma estante de livros, em madeira onde bateu três vezes, com uma cadência e ritmo que demostravam bastante praticidade – Diz antes falta de sorte!
-Não te preocupes. Podes estar descansada. Estava de passagem aqui na zona.
-Às quatro da manhã?
-Sim, para te ver nunca há horas certas. Como antigamente.
-Isso já foi há muito tempo. Tiveste preso entretanto?
-Preso, não que disparate, porque é que dizes isso?
-Porque não soube nada de ti durante 4 anos.
-Ah, pois.... não,....estive no Luxemburgo, a trabalhar.
-A sério? E onde?
-Onde? – Bolas, estou a sentir-me entalado – Numa cidade grande do Luxemburgo.
-Na cidade do Luxemburgo?
-Sim, essa.
-E que lingua falam no Luxemburgo?
-Bom, então falam numa lingua estrangeira.
-Mas não sabes?
-Então, se eu não sei falar nenhuma língua como queres que saiba que língua eles falam lá? Bolas, mas agora és minha mulher? Estive por lá, depois fui para França e cheguei a semana passada.
-E estás a viver onde?
-Ainda não tenho nada. Já estive a ver aí umas casas mas o Joaquim não gostou de nenhuma delas.
-Ah. Queres alguma coisa para comer? Posso-te fazer qualquer coisa. Mas tenho aqui camarões tigre que posso grelhar.
-Tsss, até comia alguma coisinha mas sabes o que me apetecia antes disso?- E aproximei-me dela lentamente, as minhas mãos tentaram acercar-se da sua cintura. Ela deu dois passos para trás e perguntou timidamente:
-O quê?
-Um banho- respondia eu.
-Olha, nem de propósito. Estava agora mesmo para ir tomar um. E estava a pensar que podías juntar-te a mim e depois quem sabe, fazíamos amor até de madrugada. Penetravas-me durante horas e encavas o teu grosso falo dentro de mim para que eu pudesse explodir de prazer e depois satisfazer-te como nunca ninguém fez.
Pronto, está tudo estragado. Fui interrompido por uma unhada afiada de Joaquim. Continuava dentro do meu bolso, de onde nunca tinha saído e demonstrava assim o seu desconforto aos sobressaltos dos meus passos rápidos. “Tu só pensas em merda, Alfredo”, acalma-te aí. O caralho leva-te para terrenos pantanosos. Perdes-te no meio da imaginação e estás agora perdido no meio das ruas. Precisas de te acalmar. Descansa.
Finalmente os teus olhos descobrem o prédio. Numa zona pacata, iluminada deficientemente e aparentemente sou o único ser vivo de duas patas que vejo. Olhei para a janela dela e vejo uma luz acesa. A estas horas?, pensei eu. Olhei em redor e percebi que tinha hipóteses de fazer fazer uma entrada espectacular evitando a porta da frente. Joaquim rosnou baixinho, já me lê os pensamentos este cabrão. Sabe perfeitamente que vamos fazer uma entrada à mitra, não pela porta da frente mas pela janela da frente.
Subi para um tejadilho de um carro, pulei para cima de uma carrinha de transportes que estava milagrosamente estacionada junto a uma árvore. Segurei-me a um tronco e a hérnia discal queixou-se mal comecei com o número do macaquinho. Com algum esforço consegui chegar a uma varanda. O apartamento de Catarina ficava a apenas dois pisos acima. Apoiando-me nos varandis, subi até a um dos benditos aparelhos de ar condicionado fixado no exterior de uma janela conseguindo facilmente chegar à varanda do andar de cima. Mas agora a tarefa apresentava-se mais dificil. Após um rápido mas cuidado estudo vi, não uma janela de oprtunidade, mas sim uma possibilidade. Voltei-me a apoiar nos varadins, e à falta de electrodomésticos, percebi que o resto do percurso teria de ser feito à moda antiga, trepando pelo tubo de esgoto dos algerozes. Mas não demorou muito tempo para descobrir que o tubo não aguentaria tanta alavancagem. Só havia uma hipótese, a última, a derradeira, aquela que salva barcos do afundamento e aviões de quedas. Para largar lastro tirei Joaquim do bolso: “Não te preocupes que tens 9 vidas, tens até de sobra. Se caires, aterra sempre de pé”. Ele ainda miou, não até ao fim porque a essa hora, ainda o miar estava a meio e Joaquim voava. Confiei na minha capacidade de pontaria, cheguei-me para trás o máximo que conseguia e lancei o gato até à varanda de cima.
Esta foi o primeiro grande teste para ele. Manteve intocável o registo das 9 vidas ao conseguir aterrar suavemente no alvo pretendido. Ouvi um miar ligeiro, sinal de que estava vivo e que a costa estava desimpedida.
Tirei o casaco, voltei a conferir que a arma e a droga mantinham-se nos bolsos e utilizei a mesma técnica para lançar o casaco. Continuei a despir-me até ficar só em cuecas. Atei as peças de roupa umas ás outras fazendo um enorme bola, fácil de ser atirada e com peso suficiente para que respondesse eficazmente à trajectória desejada e a uma força determinada.
-Psttt. Joaquim, tudo em ordem?
Ouvi novamente o gato miar. Era sinal de que a encomenda tinha chegado ao destino e lancei-me de novo ao tubo dos esgotos dos algerozes. Sem peso nenhum no corpo a não ser da gordura acumulada, consegui subir até à varanda. Já sabemos que as luzes estão acessas. Como vim a descobrir mais tarde é apenas a luz de um candeeiro de parede que parece ter ficado ligada propositadamente durante a noite. Ninguém está na sala mas julgo ouvir vozes bem ao fundo. Porventura a televisão está ligada já que ouço distintamente uma voz masculina. A porta da varanda está aberta, Esta Catarina não se enxerga, lá porque vive num quarto andar acha que ninguém vai assaltar-lhe a casa, pensava eu no instante em que sou assaltado por algo que vira naquele instante. Assaltado é mesmo a palavra indicada. Em cima de uma mesa, cuidadosamente depositado, encontrava-se o chapéu de um bófia. Foda-se, dei um pulo para trás e inadvertidamente pisei o Joaquim que guinchou como se fosse um gato de 2 anos. Estava eu a pensar no que fazer à minha vida quando dois vultos surgem mesmo ao meu lado. Um deles reconheci de imediato. Catarina continuava linda como sempre mas o que faz aqui um caralho de um bófia?
-Catarina – falou o chuleco – importavas de me explicar quem é o senhor que se apresenta praticamente nu na tua varanda? Algum dos teus clientes que se esqueceu da roupa?

segunda-feira, agosto 14, 2006

Joaquim- Capítulo II

Importante: aqui forma-se um enredo partilhado entre duas pessoas. O capítulo anterior encontra-se mais abaixo.


Capítulo II

Livrei-me da televisão de 30 cm. Na verdade, troquei-a por um maço de tabaco à saída de casa. Quando digo “saída”, funciona como uma pequena transferência de residência.
A segunda casa que encontrei é bem mais humilde que a primeira, o que no ramo da gatunagem significa que há muito menos coisas para deitar a mão. Mas tem espaço e algum cachet o que é óptimo. O Joaquim também deu o seu aval.
Estas casas também funcionam como um centro comercial para mim. Há sempre comida – graças a Deus que os tugas têm sempre comida em casa – roupa, calçado e televisão. Cedo descobri que não sou o único ladrão da casa. Quem habita nela tem uma box descodificada, com todos os canais disponíveis. Como é que eu sei? Bom, quando estive a abrir a correspondência – vocês nem imaginam a quantidade de cheques que se encontram nas correspondências – reparei que o seu proprietário apenas paga o serviço base. Melhor para mim que futebol e sexo misturam-se ao sabor da bebida que se vai descobrindo nesta casa.
Como devem perceber tudo o que preciso vou arranjando. Comida e vestuário não é problema, entretenimento também se arranja e a minha segurança é feita pela protecção de uma pequena arma de 9 mm.
O que é que faz um pequeno assaltante de casas, necessitar de uma arma de protecção? Porventura julgareis que devido à minha actividade mas este é um ramo onde armas de fogo são desnecessárias. Funcionamos melhor com clips para fechaduras, no engenho das fechaduras e nos casos mais dramáticos nada que um pé-de-cabra não resolva. Pois, mas esquecem-se de que estou dedicado ao pequeno tráfico. O negócio ía tão mal que tive que me virar para terrenos desconhecidos. Entrei na droga. Não no consumo mas no gamanço. O esquema era simples: ver quem era o dealer na zona, dar-lhe um enxerto de porrada, ficar com o produto e vender a cena a um preço mais vantajoso. Pensei eu que era assim que se fazia. Vim a descobrir que não.
A parte do dealer foi fácil, fazer a festa também, ficar com o produto foi apenas uma consequência. O problema surgiu no instante em que fiquei com a branca na mão. Não fazia a mínima ideia do que fazer. E dei por mim com 9 doses individuais na mão e com o Jolas à perna.
O Jolas, alcunha para um tipo franzino que fazia todas as suas refeições à base de imperiais, era apenas e só o grande lobo que controlava a alcateia de dealers da zona. E já se sabe que estas organizações têm sempre uma hierarquia. O dealer, mesmo com a cremalheira em estado deficiente, queixou-se à patente mais alta e de repente já o Jolas queria saber quem era o atrevido que entrara para arruinar o negócio.
Tornei-me um dos tipos mais procurados da zona. Não pela polícia mas de todos aqueles que trabalhavam para o Jolas. Não era uma questão de droga. Apesar de ser dinheiro era também uma questão de honra e de orgulho. Nada. Mas mesmo nada podia interferir na zona do Jolas. Uma zona em total sossego, com a polícia controlada e e não era eu que ía estragar a festa. Eu precisava de ser encontrado e chamado à razão, talvez com um tiro na cabeça. Fez-me lembrar uma discussão entre o Asterix e o Obelix, numa das alturas em que eu lia livros, “Obelix, em relação aos romanos, bates primeiro depois fazes as perguntas.”. Acho que comigo a questão era disparar primeiro, a parte das perguntas é dispensável. Já não estava escondido, agora sentia-me preso nesta casa. Os passos na rua teriam de ser bem medidos. Mais urgente ainda, precisava de mudar de poiso, outra zona, mais segura.
Procurei roupa no armário. Desta vez escolhi umas calças de fazenda cinzentas, uma camisa com umas riscas fininhas azuis, um casaco cinzento. Quanto aos sapatos, bastava dar uma esfrega nos meus. Se as roupas assentavam como uma luva, tive azar nos sapatos já que o dono da casa só calçava números barbatana. Fiz a barba com uma lâmina nova, usei o desodorizante do homem e, como não podemos armar-nos em esquisitos, acabei por lavar os dentes com uma das duas escovas que encontrei. Quando olhei para o espelho fiquei impressionado com o meu novo visual. O Joaquim não ficou surpreendido com a mudança. Os animais são assim, conhecem o dono à distância, estejam eles a cheirar a cavalo ou ao melhor perfume francês.
Desci até à sala e quando olhei pela janela vi a noite cair apressadamente. Esta seria a minha última noite nesta casa e decidi fazer uma pequena festa de despedida. Encontrei na cave algumas garrafas de vinho. O conhecimento que tenho de vinhos é equivalente ao conhecimento que possuo de Física Quântica. Mas compenso a nulidade com a experiência. E essa diz-me que o melhor vinho deve ser aquele que tem mais pó na garrafa. Normalmente guarda-se o melhor vinho para a melhor ocasião. Para mim ela tinha chegado com a minha eminente partida. Em segundos as minhas opções ficaram limitadas a três garrafas e como a virtude está no meio trouxe a que se encontrava mais ao centro. Voltei a subir.
Diriji-me então até ao frigorífico, tirei um saco de camarões pequenos do congelador, cozi esparguete, abri a garrafa, liguei o canal de música clássica e preparei-me para o festim. Eu à mesa com o esparguete, o Joaquim no sofá deliciado com os seus camarões. Tinha a impressão que em cada dentada olhava para mim, agradecido. Não tocou no vinho. Fica mais para mim.
Quando acabei a refeição, meti as doses de droga no bolso do casaco, guardei a arma no bolso de dentro e peguei no Joaquim.
-Ena, estás a ficar gordo. E a crescer depressa.
Levantei-o no ar. Ele miou baixinho. Não estava a achar piada nenhuma à altura. Voltei a baixá-lo e ele começou o ronronar. Juntei-o ao meu peito. E estava eu concentrado neste momento de carinho quando oiço um carro estacionar. A minha experiência em casas, fez-me escolher esta por uma razão muito simples: ausência de vizinhos numa zona muito tranquila. Portanto, visitas inesperadas a estas horas não era um sinal muito animador.
Aproximei-me da janela e ao espreitar vejo 4 homens sairem do carro, olham suspeitos para todos os lados e depois para a casa. A casa está fechada, portanto às escuras. Eles aproximam-se da porta, dois deles levam a mão ao bolso do casaco e não me parece que estejam à procura das chaves. Também não me parecem os donos da casa. Pelas fotos que encontrei em toda a casa, são um casal de velhos, estrangeiros. É altura de me pôr a milhas.
A vantagem que um assaltante de casas tem em relação a uns meros deliquentes é a que os primeiros conhecem os cantos à casa, sabem por onde entrar, como sair, onde esconder. Conhecemos as paredes das casas como se fossem nossas, sabemos caminhar nelas às escuras porque é assim que trabalhamos. A nossa visão é constantemente noturna, não precisamos daqueles instrumentos de precisão e visão que agora os militares usam. É como se tivéssemos sido nós a projectar a casa, a fazer as suas paredes, degraus, a sua arquitectura e decoração. Todos sabemos que dentro de uma casa, só se ligam as luzes das divisões que não têm saída para o exterior. Um assaltante de casas deixa sempre uma porta aberta, uma saída fácil sempre que as coisas tornam-se difíceis. É tudo isto que nos distingue de uns deliquentes que só sabem carregar num gatilho. Conseguimos ser arquitectos, cientistas e malabaristas num só.
A minha saída estava numa janela de sotão que dava acesso a um pequeno parapeito. Através daí bastava um pulo até a uma placa superior que abrigava a porta das traseiras. E depois bastava um salto de 2 metros e meio até ao chão.
É óbvio que foi assim fácil. Estavam 4 putos à minha procura naquela casa – a questão está em como conseguiram essa informação – e eu já estava longe, bem longe. Sentia o meu coração aos pulos, à medida que caminhava apressadamente pelas ruas vazias. No bolso de dentro do casaco, sentia o ronronar do Joaquim no meu peito. No segundo bolso do casaco, 9 pacotes de pó. No bolso das calças, uma arma de fogo de 9 mm.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Joaquim

Capítulo I

Não devia ter feito aquilo, pensava. E ainda por cima por uma ninharia que rapidamente desapareceria da face da carteira. Por apenas 500 euros...teria valido o esforço? Eh, que se lixe. Não será a primeira vez que assaltava uma loja para depois arrepender-me no segundo seguinte. Havia qualquer coisa, para além do dinheiro, que me atraía no facto de assaltar lojas e casas. Há quem fale em adrenalina. Pode ser. Mas o dinheiro dá-me mais jeito.
Enquanto passeava por estas imagens, a minha mão passeava pelo Joaquim. Um gato preto que acolhera há algumas semanas. Era a minha única companhia. O meu coração batia lentamente, misturando-se com o ritmo descompensado do felino que ronronava junto do meu peito.
Afagava o Joaquim, o gato preto que um dia apanhara da rua. Se para muitos o gato preto é sinal de maldição e perdição, para mim foi a salvação. Um dia de sorte.
As coisas na altura não me corriam lá muito bem – pensando bem tal como agora – e por uma sorte tremenda, a polícia não me apanhara. O Joaquim, incógnito, desconhecido na altura embora um ser vivo e existente, salvara-me a pele sem o saber. Para o compensar, achei justo levá-lo para casa. Não nasci para ter gatos, cães ou periquitos. Sou mais do género de atirar a matar se um destes bichos me chateia a cabeça. Confesso que o meu limite de paciência chegou uma vez aos incríveis 30 segundos. A partir daí tudo resolve-se com uma bala. E não se fala mais nisso.
Voltando. Nesse dia, depois de um pequeno assalto a uma loja de bairro, fui eu assaltado em minha casa por um bando de polícias. Alguém dera com a língua nos dentes, e eu, rapaz para não gostar de traições. Seria parvo se depois do assalto desse dia fosse descansado para casa. Se a polícia estava à espera de me ver deitado no sofá a ver televisão logo após um serviço, então são bem mais estúpidos do que alguma vez imaginara. Não, eu estava a vários quilómetros de distância, numa pequena garagem que para além de me dar guarida e refúgio nos momentos pós-gatunagem, era o meu armazém de artigos "emprestados". O negócio não ia bem, roubar já não é o que era.
Mas mal sabia eu que a polícia, para além de descobrir a minha casa, conseguiu obter que a levaram até ao meu barraco. Fiquei a saber disso no momento em que descarregava uma televisão de plasma para o dito armazém quando, e acreditem que eu não acredito nestas coisas, senti que algo não estava a correr bem. Senti-lhes o cheiro à distância. Não sei se era das nódoas de imperiais ou dos dedos oleados em tremoço, mas há um um cheiro característico de polícia que os denuncia a quilómetros.
Caguei para a televisão. Assustado, como se o cheiro do bófia me tivesse explodido nas narinas, deixo cair a televisão de plasma em cima do pé. A custo começo a correr. Fico com a certeza de perder o fruto do trabalho e com a estranha sensação de ter perdido também o pé. A minha súbita fuga passa a ser de corrida desenfreada para uma pressa ligeira. A polícia já me cheirou e começa, de arma e punho a correr atrás de mim. “Pára caralho! Polícia!”. Ok, eu não sou parvo, muito menos surdo. Nem percebo porque é que se fazem anunciar. Ei, vocês já se esqueceram de que eu sou o gatuno, não preciso que me digam que são o polícia. Mas estamos aqui a brincar ou a fazer isto a sério?
Corria com uma perna, coxeava com a outra. Obviamente, nesta luta de pernas quem ganhava eram os dois gordos que corriam atrás de mim. Já não anunciavam a sua chegada com a voz mas sim através de balas. Eu não fui à tropa e muito menos a uma guerra. Mas não precisava disso para saber o que era um silvo a passar nas minhas orelhas.
Correndo em terreno conhecido consegui ir entrando e saindo de vários armazéns num labirinto de portas, estantes, armários, lixo. A polícia continuava atrás de mim. O meu pé entretanto falou com o meu cérebro e o meu corpo na resposta decidiu parar. O meu pé inchava e quase explodia dentro do meu ténis. Ainda bem que eu gosto de abotoar bem os sapatos, porque acho que o meu pé estaria esta hora a latejar cá fora e a suplicar um sacrifício. Sem alternativa, só tive hipótese de me agachar e esconder atrás de uma secretária. O buraco por debaixo do tampo passou a ser o meu novo esconderijo. E durante alguns segundos, só ouvia o bater do meu coração. Mas no sítio errado. Não batia no meu peito; latejava no meu pé. Entretanto a porta abrira-se com um grande estrondo:
-Ei...sabemos que estás aqui dentro.
-Sim, podes fugir mas não te podes esconder.
-Gostei dessa linha de texto. Onde é que tu ouviste isso?
-Eh, acho que foi numa capa de um disco lá do meu filho...
-Ah...por instantes pensei que fosses dizer que tinhas lido num livro.
-Ei.calma aí..Livros? Livros só escolares
-Ou de gajas. Nesses também se aprende.
-Noutro dia fui com o meu mais novo até ao hipermercado e comprei “manuais escolares”.
-Pois é, hoje em dia ninguém diz “livros escolares”. - E subitamente gritou mais alto - Ei, aparece, nós sabemos que estás aqui. Mas com calminha.
-Vamos contar até três?
-Não. - deixo de ouvir os seus passos, tenho a certeza que pararam, embora continuem a falar - Mas também, não percebo porque é que mudam os nomes. Podiam-lhe chamar “Livros para a escola”.
-Pois podiam, mas repara que “Manuais” tem mais a ver com o ensino, com o facto de aprenderes.
-Não percebo porquê.
-Tu compras um DVD, um electrodoméstico, uma varinha mágica ou uma máquina de barbear. O que é que aquilo traz em comum?
-Um fio para ligar à corrente?
-Além disso. Vem com um manual de instruções. Um manual serve para te ensinar. Para aprenderes a usar. Logo a escola, sendo uma máquina confusa, também traz um manual.
-Mas seguindo esse raciocínio também deveria trazer uma “Garantia”.
-Garantia?
-Pois, caso as coisas corressem mal durante 24 meses, podíamos chegar lá e dizer: “ó amigo, troque-me lá esta Matemática que isto não pega de jeito nenhum!”
-Tens razão, mas..
De repente um enorme ruído veio interromper a conversa destes homens. Eu não fui responsável por ele, já que continuava quedo. Uma enorme placa teria deslizado sozinha e caído com estrondo. Os polícias decidiram então ir verificar a causa do barulho. E como estava bem perto de mim, a probabilidade de ser encontrado era grande. Desta vez decidiram falar mais baixo mas deu para perceber que iam dividir-se, cada um deles ficava responsável por uma parte do armazém.
Eu continuei agachado, na esperança de não dar nas vistas. O pé doía-me cada vez mais. Não tinha qualquer possibilidade de fuga, a porta de entrada era a única hipótese mas se me levantasse seria um alvo fácil. Ainda por cima com o pé neste estado. A coisa estava preta. Tão preta que quando levanto os olhos vejo um pequeno gato preto à minha frente. Olhava para mim como se eu fosse o primeiro humano que via. E quando se preparava para miar eu fiz-lhe um pequeno sinal para se calar. E ele parou. Olhando mais para a frente consigo ver outro gato, bem maior. Possivelmente a mãe. E depois percebi que eram eles os causadores do barulho, já que o seu refúgio estava bem próximo de mim.
Oiço os passos de um, ele aproxima-se lentamente, em poucos segundos e estaria pronto a encostar-me a arma à cabeça. Mas é nesse instante que a gata se apercebesse da chegada do forasteiro, e num movimento felino nunca visto, salta para cima do polícia. Este assustado começa aos berros, o colega rapidamente se aproxima e conseguem enxutar a gata.
-Fosga-se, Joaquim, foste atacado por um gato.
-Obrigadinho por descreveres a situação. Pelo miar e pelas garras, por instantes pensava que estava a ser trucidado por uma torradeira gigante com tenazes de santola ....merda... estou todo arranhado. Olha para esta merda.
-Xiii...foda-se, o gato rasgou-te as calças todas, e agora?
-Agora, quem é que paga esta merda? Sou eu, isto vai-me sair do pêlo. Odeio gatos, ainda por cima pretos. Dão azar a um tipo, vê-se porquê.
Um rádio começa a cuspir sons.
-Alpha Tango 505. Por favor, indiquem a vossa localização.
-Daqui, Alpha Tango 505. Estamos numa perseguição a um suspeito de assalto a uma loja. Neste momento estamos junto à EN 435, numa área de armazéns ilegais, over.
-Localizaram o suspeito, over?
-Ainda não, apenas localizámos o armazém que serve de abrigo a todos os objectos roubados, over.
-Bom, precisamos de apoio policial junto da EN 342 que fica junto de vocês, over.
-Abandonamos o local, então, over?
-Sim, alguém da Central foi destacado para o local onde se encontram, over.
-Over, roger, tango, alpha, falcon and out.
-Pelos vistos, estamos despachados daqui.
-É melhor assim, já estava farto disto e o bacano já deve estar a milhas daqui. Mas antes de irmos, empresta-me aí a tua arma para dar um tiro no gato.
-Ei, porque é que não usas a tua?
-Foda-se, nunca ajudas um gajo...
E assim, sem mais nem menos foram-se embora. Passados alguns minutos volto a ver o gato pequenino, a olhar novamente para mim. Levanto-me da secretária e fico a olhar para o bicho, ele que me deita um olhar ternurento, carinhoso. Tem de ser meu. Decidi levá-lo. O problema foi convencer a mãe. Mal eu me levanto, ela atirou-se em voo na minha direcção. O meu primeiro impulso foi puxar a perna para trás e quando ela vem lançada, consigo dar-lhe um pontapé de tal forma que vejo a gata voar, bater na parede e ficar imóvel. Mas se a gata não ficou bem eu fiquei ainda pior porque o grito que dei de dor lancinante revelava que o pé escolhido tinha sido o que me doía. Fiquei ali uma valente hora a penar, em dores. O gato pequenino preto rondava-me, miava, ronronava. Já não tinha mãe, arranjara uma nova. Vou levar-te. Um gato preto que me dera sorte. O nome? Joaquim, em honra ao polícia que a tua mãe rasgou.
Semanas depois, aqui estou eu, com ele a ronronar-me no peito. Não estou em casa, essa está mais do que vigiada pela polícia. Neste momento a minha residência é emprestada. Os donos possivelmente estão de férias e eu fiz o meu "check-in" há alguns dias. É óbvio que não posso ficar aqui durante muito tempo mas também não é fácil sair à procura de novas instalações. Estas agradam-me porque até tenho direito a uma arrecadação óptima. Ficou com muito espaço depois de eu ter despachado tudo o que lá encontrei e que tivesse valor comercial. O Joaquim também gosta da casa, principalmente do chão que é bastante escorregadio. As suas manobras nas curvas, as suas corridas e posições felinas são um aconchego que sinto na alma. Não há nada que eu mais goste do que chegar a casa, depois de um cansativo dia de trabalho, e ver a minha criança olhar para mim.
Vou fazendo zapping pelos canais de televisão, uma televisão mínima e muito ranhosa que trouxe da cozinha. A que estava na sala já foi despachada, o mesmo aconteceu à aparelhagem, aos CD e DVD originais que encontrei. E o facto de estar sentado num sofá em pele a ver televisão numa televisão ranhosa – que não despachei – fez-me pensar no ataque da globalização ao negócio dos assaltos.
A televisão falava em tumultos, violência e agressões de alguns milhares de manifestantes num desses encontros dos países mais ricos do mundo. Estes manifestantes, jovens, levantam cartazes da mesma forma que arremessam pedras. É uma intifada ocidental contra a globalização. Também eu, naquele instante tornei-me um acérrimo defensor das lutas contra a globalização. Este movimento dos países mais ricos é um atentado contra o meu negócio.
Eu ainda sou do tempo em que as marcas tinham valor. Hoje, por causa da globalização, surgem marcas coreanas, chinesas, tailandesas, cipriotas a cada minuto que passa. Televisões de marca que valiam fortunas agora não valem nada. Uma pessoa entra em casa de alguém que se supõe ter dinheiro e dá de caras com uma televisão enorme mas com uma marca mais difícil de pronunciar que “Vladivostok”. E quem é que compra uma televisão com um nome de um coreano? Ninguém. Quem é que compra um DVD gamado que se for à loja custa-lhe dois pacotes de bolachas? Ninguém. Até os CD e DVD sofreram uma deflação desde que o mercado ficou entupido com produtos contrafeitos. A culpa é da globalização que tornou alguns dos objectos mais apetecíveis em objectos vulgares e sem valor. E dou por mim a comprar revistas de tecnologia para saber o que está a dar. Descubro consolas, projectores, leitores de mp3 e home cinemas. Por um lado são mais maneirinhos de gamar por outro lado é preciso estar sempre a baixar o preço porque a concorrência das lojas é muito forte. São promoções, pontos, devoluções, etc. Este negócio não está fácil. Por isso, o meu problema foi ter mudado para a droga. A minha mãe dizia: “o problema das drogas não está no vício, está na ressaca.”. Eu descobri que as drogas trazem muitos outros problemas.

Tendência para a parvoíce

Cientistas norte-americanos identificaram novos genes que contribuem para o consumo excessivo de álcool. Este é o resultado publicado recentemente pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences. A investigação, feita com ratinhos que mostraram uma preferência inata por álcool, poderá dar importantes pistas sobre os mecanismos moleculares que promovem a tendência para o alcoolismo. É por estas e por outras que eu sou contra a utilização de animais em testes. Com que direiro é que eles têm direito a bebida à borla?

Picanha ou Maminha, senhor?

Vinha hoje à pendura no eléctrico, no 18 que vai até à Praça da Figueira, quando reparei na capa do Diário das Notícias. E fiquei estarrecido, Então não é que as autarquias vão começar a legalizar os brasileiros? Não seria melhor ideia começar a ilegalizar os autarcas?
Agora é que é. Foda-se. Saimos já da União Europeia e queremos aderir ao Mercosul. Já não há volta a dar. Mudem o nome ao país. Portugal deixa de existir para dar lugar a um espaço geográfico que pode vir a ter o nome de Iguaçú de Cima ou Xeripéteté de Xiricuaia. E já agora mudem a capital para Felgueiras, dêem a Presidência do Estado à Fatinha Felgueiras, o Valentim Loureiro no Conselho de Arbitragem,o Isaltino na Administração e Ordenamento do território que o tipo é bom nas obras e o Avelino Ferreira Torres na secção dos enchidos. Já estou a ver que a primeira medida deste tropa fadanga é foderem-me o Rendimento Mínimo que eu recebo transformando-o em vales de refeição para descontar em picanha, maminha ou capim.
Mas o Brasil tem coisas boas. Tem aquela carnucha quentinha que quanto mais se come mais apetite se ganha. É uma carne crua e que está sempre aos saltos: a xereca. E, minha nossa, como vai tão bem com um nabo!

quarta-feira, agosto 09, 2006

Agonia Bonita. Jogas?

Depois da Nike ter criado o Joga Bonito, encontrei na net algo do mesmo calibre mas bem mais interessante. É a Agonia Bonita, ou “Beautiful Agony” em inglês. E mais do que o futebol, é um site com filmes que apenas revela a cara das pessoas a praticarem o desporto mais praticado no mundo: a masturbação. Não se preocupem que o site é bem limpinho. Para o visitarem já sabem: usem os dedinhos e cliquem.

www.beautifulagony.com


PS- Alguns filmes deste site estão disponíveis também no YouTube.